Segue o voto do Relator Ministro Marco Aurélio, acompanhado pelos Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Roberto Barroso e Rivardo Lewandowski, tendo apresentado voto divergente o Ministro Edson Fachin.
Relator Min. Marco Aurélio:
\"V O T O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Atendeu-se aos pressupostos de recorribilidade. O recurso interposto pela União, subscrito por Procurador da Fazenda Nacional, foi protocolado no prazo legal.
Cumpre definir se o previsto no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, a revelar a incidência da contribuição social a cargo do empregador, alcança o terço constitucional de férias, ante a natureza jurídica da verba.
A temática alusiva à delimitação da base de cálculo da contribuição previdenciária não é nova no Tribunal. Cabe resgatar a óptica adotada pelo Plenário, prestigiando a jurisprudência do Supremo.
O Pleno, após reiteradas decisões de ambas as Turmas no sentido de não incidir contribuição previdenciária sobre o décimo terceiro salário, em sessão realizada em 24 de setembro de 2003, aprovou o verbete nº 688 da Súmula do Supremo, com a seguinte redação:
É legítima a incidência da contribuição previdenciária sobre o 13º salário.
Seguindo a esteira dos entendimentos firmados nos Órgãos fracionários, o Tribunal proclamou devida a imposição tributária, ante o caráter remuneratório da verba.
No exame do recurso extraordinário nº 487.410, relator o ministro Eros Grau, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 14 de maio de 2010, examinou a incidência sobre os valores pagos em dinheiro, a título de valetransporte, aos empregados. A ilustrada maioria, ao proclamar que essa parcela não possui caráter salarial, mas indenizatório, afastou a tributação.
No julgamento do extraordinário de nº 565.160, de minha relatoria, revelador do Tema nº 20 da repercussão geral, cujo acórdão foi veiculado no Diário de Justiça de 23 de agosto de 2017, o Pleno analisou o alcance da expressão “folha de salários”, contida no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal. Ficou assentado ser imprescindível a habitualidade para fins de incidência da contribuição previdenciária. Reitero o que fiz ver:
É que o pleito refere-se a valores pagos aos segurados empregados. Pois bem, antes mesmo da vinda à balha da Emenda nº 20, já se tinha o versado no artigo 201, então § 4º – posteriormente tornou-se o § 11 –, a sinalizar que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”. Nem se diga que esse dispositivo estaria ligado apenas à contribuição do empregado, porquanto não tem qualquer cláusula que assim o restrinja. Encerra alusão à contribuição previdenciária. Então, cabe proceder à interpretação sistemática dos diversos preceitos da Constituição Federal . Se, de um lado, o artigo 195, inciso I, nela contido disciplinava, antes da Emenda nº 20/1998, o cálculo da contribuição devida pelos empregadores a partir da folha de salários, estes últimos vieram a ser revelados, quanto ao alcance, pelo citado § 4º – hoje § 11 – do artigo 201. Pelo disposto, remeteu-se à remuneração percebida pelo empregado, ou seja, às parcelas diversas satisfeitas pelo tomador dos serviços, exigindo-se, apenas, a habitualidade.
Dos precedentes evocados, surgem dois pressupostos para a incidência da contribuição previdenciária sobre valores pagos aos empregados: a natureza remuneratória e a habitualidade da verba.
Quanto ao primeiro, conforme versei no paradigma de repercussão geral alusivo ao Tema nº 20, observado o previsto no § 11 do artigo 201 da Constituição Federal, o legislador constituinte, ao se referir à remuneração, remeteu “às parcelas diversas satisfeitas pelo tomador dos serviços”, no que levados em conta os rendimentos pagos em decorrência do contrato de trabalho em curso, e não somente sobre o que adimplido pela prestação de serviços em sentido estrito. Excetuam-se as verbas nitidamente indenizatórias, porquanto destinadas a recompor o patrimônio jurídico do empregado, em razão de alguma perda ou violação de direito.
No tocante à habitualidade, o preceito sinaliza periodicidade no auferimento dos valores, contrapondo-se a recebimentos eventuais, desprovidos de previsibilidade. A elucidar a óptica, confiram a lição de Alessandro Mendes Cardoso e Paulo Honório de Castro Júnior, em artigo específico sobre o tema:
Por fim, habitual é (i) o pagamento que se repete em um contexto temporal que pode ser descontínuo - mensal,trimestral, semestral ou anual; (ii) que decorre de uma previsibilidade inerente ao contrato laboral, de onde surge justa e real expectativa de recebimento por parte do empregado, face à repetição prévia da parcela.
Essas diretrizes hermenêuticas devem nortear o alcance do artigo 195, inciso I, da Lei Maior e a solução quanto à delimitação da base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador.
Atentem para a natureza do terço constitucional de férias, cuja previsão está no artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal. Trata-se de verba auferida, periodicamente, como complemento à remuneração. Adquire-se o direito, conforme o decurso do ciclo de trabalho, sendo um adiantamento em reforço ao que pago, ordinariamente, ao empregado, quando do descanso.
Surge irrelevante a ausência de prestação de serviço no período de férias. Configura afastamento temporário. O vínculo permanece e o pagamento é indissociável do trabalho realizado durante o ano.
A exceção corre à conta do adicional relativo às férias indenizadas. Nesse sentido, presente a natureza indenizatória, há disposição legal expressa na primeira parte da alínea “d” do § 9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/1991:
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
(...)
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Ante a habitualidade e o caráter remuneratório da totalidade do que percebido no mês de gozo das férias, é devida a contribuição.
Provejo parcialmente o recurso extraordinário interposto pela União, assentando a incidência de contribuição previdenciária sobre valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas. Proponho a seguinte tese: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.
Fonte: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5255826
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